© Susana Neves

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Concepção e gestão do projeto Gustavo Costa

Encenação, Cenografia e Dramaturgia Igor Gandra

Realização Plástica e Construção Eduardo Mendes

Desenho de luz Mariana Figueroa

Composição e direção musical Gustavo Costa

Interpretação Adriana Romero, Alberto Lopes, Carla Veloso, Eduardo Mendes, Gustavo Costa, Henrique Fernandes, Igor Gandra, Jorge Quintela e Tiago Ângelo

Apoio à electrónica e programação Tiago Ângelo

Construção de instrumentos Alberto Lopes, Henrique Fernandes e Gustavo Costa

Vídeo Jorge Quintela

Construção da cenografia, marionetas e adereços Eduardo Mendes, Hernâni Miranda, Gonçalo Silva (estagiário Escola Profissional Do Centro Juvenil de Campanhã), Solveig Phyllis Rocher, Américo Castanheira

Produção Executiva Carla Veloso e Patrícia Caveiro

Produção Sonoscopia e Teatro de Ferro

Coprodução Teatro Municipal do Porto

Parceria 23 Milhas

Projeto apoiado pela República Portuguesa – Cultura/Direção-Geral das Artes

Agradecimentos Hugo de Almeida Pinho, Regina Guimarães

Espectáculo para M/ 12 anos

DOUBLE VÊ, DOUBLE OUVE, DOUBLE WE

Chamam-lhe «concerto encenado» como se estivessem dispostos a submeter-se às precárias regras de um género. Mas não. O projecto bicéfalo SONOSCOPIA / TDF abraça outras ambições concertadas e desconcertantes, que vão desde a evocação de um mundo industrial e laboral (W de WORK) do século XIX (subsistente e próspero nas zonas mais pobres do planeta) ao maravilhoso mundo novo do neo-liberalismo, em que a ética do trabalho, reaccionária ou revolucionária, foi substituída pelo imperativo da produtividade e do crescimento (à revelia de qualquer racionalidade ou respeito pelos vindouros), passando pela reminiscência da condenação genesíaca do homem a ganhar o sustento à custa do suor do seu rosto. Músicos e marionetistas, intérpretes e performers, autores e actores encaram esta quadratura do círculo como resultante possível de um trabalho de sobreimpressão, de contaminação e de outros estados cénicos de impura mistura.

A postura de Igor Gandra, orquestrador da encenação, e de Gustavo Costa, encenador da orquestração passa por um jogo de colagem e de mescla do pré e do pós, rumo à construção abstracta de um «mega-device» que funciona simultaneamente como fábrica descarnada, templo do empreendorismo e da mercantilização do vivente, momento-monumento que ecoa o estertor das ideologias, lugar de proletarização dos instrumentos nobres e de nobilitação de sonoridades prosaico-concretas, etc. Trata-se de criar uma paisagem emocional e ideológica propícia (porque contrastante) à irrupção do lirismo, confiada, com notório acerto dramatúrgico, a uma voz sublime (Adriana Romero) que se nos oferece de rajada e em jeito de metralha, como que possuída pelos demónios do canto.

A pesquisa da trupe e dos compositores foca-se num patamar arriscado, a saber: criar um texto textura, uma partitura em parceria que, sem anular as fronteiras entre a linguagem cénica (Igor Gandra, Carla Veloso e Eduardo Mendes) e a linguagem musical (Alberto Lopes, Henrique Fernandes, Tiago Ângelo, além de Gustavo Costa) as dilui no plano da visualidade não figurativa (Jorge Quintela, Mariana Figueiroa) e as faz convergir para uma busca de um denominador comum no terreno da abstracção. A expressão física e concreta do som perde corporalidade quando evolui num quadro cenográfico em que as referências foram deliberadamente abolidas. O texto cénico, que inclui tudo o que não se radica na escrita musical, incorpora-se em corpos e situações esvaziadas, cuja leitura convoca o conhecimento de códigos e codificações: a maternidade e a pietà na pintura, por exemplo.

SONOSCOPIA e TDF deslocam os contornos tradicionais do concerto encenado e, por conseguinte a fronteira, menos volante do que seria desejável, entre as artes do palco e a música ao vivo, a escrita no sentido estrito e a improvisação no sentido lato.

Regina Guimarães
Março de 2019